terça-feira, 30 de março de 2010

Manhã em cólera.

O que está acontecendo?
O mundo está ao contrário
e ninguém reparou (...)
(Nando Reis)

Hoje, o dia amanheceu nublado e, no céu, as nuvens confundiam-se. Mas, passarinho que não deve nada a ninguém, que a esta hora já estaria desperto, desta vez não acordou. A rua estava deserta, e a garotinha precisava chegar ao ponto de ônibus: é que ela também precisava chegar à escola - era rotina -. E como o ourives que torce, aprimora, alteia e lima, a faz com esmero. E nem o sono é capaz de fazê-la perder o horário; e nem dias chuvosos a fazem chegar atrasada.
Mas hoje, como já disse, o dia amanheceu nublado. Não era um dia comum. O Sol perdeu a hora. As nuvens, indefinidas. E o dia seguia nublado... Foi quando a garotinha deparou-se com um breve frio de ferro contra a sua face. E a garotinha que - de inha só tinha o pequeno tamanho -trazia consigo a valentia de uma guerreira espartana. O que eu não sabia é que até os grandes guerreiros revelam suas fragilidades: é só o medo da morte, é só o medo de ver a vida esvair-se de si que a faz ser - na verdade, parecer - fraca.
E quando a imagino nos meus sonhos, é só o medo que sinto escorrer de seus olhos.
Ela para.
Na verdade, congela.

Mas na verdade, o que era a verdade?

A verdade é que aquilo era um furto, e a garotinha tinha medo que levassem o que trazia de mais valioso. E o que é pior: sem chances de resgate. Por sorte, não. É que agora os homens preferem coisas de valor simbólico. E levaram. Contudo, permitiram que o bem mais valioso continuasse a correr nas veias da garotinha. Acho que chamam isso de vida.
Vida.
A mesma vida que faz essa gente dizer que vive, quando na verdade, existe. É porque todo mundo É. Ouve porque todo mundo escuta. Rouba porque hoje em dia, Maria, quem não é ladrão? Mas essa não é vida não, Mariazinha. É só um fio. Um fio de vida.
E nem um fio de vida a fez desiste de chegar aonde queria chegar. E chegou antes de mim.
Abri o caderno, percebi que alguém ocupava o lugar garotinha. Quando deparei-me com a pequenina ao meu lado. Ela chorava. Não ao seu choro comum, movido a grandes sentimentalidades. Havia tristeza em seu penar, os seus olhos transpiravam o trauma... E foi aí que eu conheci a face do medo, Maria, a queimadura que o gelo do coração dos homens pode causar. E eles queriam roubar um celular.

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